Adoro as descobertas quase "inesperadas" do trabalho de pesquisa. Claro, nada ao acaso, descobre quem procura, mas isso não deixa de gerar uma boa sensação. De um artigo a outro encotrei uma referência sobre Hubert Godard falando sobre o gesto e a percepção, bingo.
O pré-movimento, do qual ele fala no pequeno texto no post-face do livro "La danse au XX siécle - Isabelle Ginot et Marcelle Michel" era um daqueles assuntos que se ouve falar em algum lugar e que permanece no limbo por um tempo, até ser retomado, até se amarrar melhor a outros assuntos. Primeiro o autor esclarece sua ideia de corpo no mundo vinculado ao exercício ativo da percepção, consciente ou não; e posiciona a dança como lugar privilegiado qui donne à voir les tourbillons òu s´affrontent ces forces de l´evolution culturelles. Nesse sentido o pré-movimento agiria sobre nossa organização gravitacional, a forma como o corpo se estrutura diante de seu peso e da gravidade, o que seria anterior ao próprio movimento do corpo. Seguindo o raciocínio, esse estado de tensão do corpo é o que irá determinar nossa postura e, consequentemente, determinar a qualidade do gesto e tornar o movimento algo individual, que não se repete ou copia. Nosso esforço de equilibrio, de ser um corpo ereto no espaço, já foi tão assimilado que deixa de ser visto como ação no mundo, mas seria, nesse contexto, responsável pela carga expressiva do movimento e pela colorer de nuances du geste, termo que merece maiores investigações.
Para melhor explicar sua teoria, o autor faz uma análise interessante de uma cena do musical americano Ziegfeld Follies (Vincent Minelle, 1945) interpretada por Fred Astaire e Gene Kelly, suponho que seja essa. Ele revê frame à frame a cena, em que os bailarinos repetem uma mesma sequência juntos e aponta as diferenças inerentes ao pré-movimento de cada um, ou seja, as distinções entre tônus, direcionamento, força, enfim, qualidade dos gestos. Talvez incida nesse conjunto o que Godard chama de "coloração".
De outra hora, tratando sobre a forma do indivíduo perceber o movimento do outro - o que também interferiria em seu próprio movimento -, o autor se refere aos trabalhos dos coreógrafos Merce Cunningham e Trisha Brown, essa última em específico sobre um solo chamado "If you can´t not see me", interpretado de costas para o público. Cunningham teria por excelência um desejo pela pureza da forma, o que faz com que ele retire dos bailarinos o elemento interpretação, levando ao palco rostos vazios que remetem às figuras e não aos sujeitos dançantes. No trabalho de Trisha, o público também é privado dos signos de afeto que poderiam estar em seu rosto não visto. Ambos, cada qual a sua maneira, impõem ao interpretante um deslocamento, uma vez que tiram os corpos de uma retórica imediatamente lida e os inscrevem no lugar (não-lugar?) de origem do movimento.
Para encerrar volto a metáfora que o autor trabalha no começo do texto e que me fez lembrar de um outro fenômeno quase esquecido que todos vemos no colegial. O primeiro termo é a marionete, extraído do livro "Les Marionettes de Heinrich Von Kleist", imagem na qual Godard se apóia para dizer sobre o que nos atravessa, sobre a "imperfeição cinética" gerada pela interferência dos afetos e que cria uma distância entre o centro de gravidade e o centro do movimento. Ao contrário do homem, a marionete é um corpo vazio que respeita a ordem pura da mecânica, onde os atravessamentos não causam deslocamentos ou desequilíbrio. E foi por isso que me lembrei das aulas de física-óptica no colégio Ibituruna onde descobri a refração, uma quebra na continuidade da luz ou ao menos um rearranjo da mesma. Ampliando a luz para outros signos teríamos um corpo refratário, embora as bordas entre dentro e fora ainda estejam nebulosas, ao menos para mim.

Aucun commentaire:
Enregistrer un commentaire