154ème jour: Iannis Xenakis

Lembrei-me de uma vez em que assisti a uma palestra da Helena Katz em BH e em certo momento ela falava sobre a ideia de plasticidade do corpo. Buscando exemplificar a questão ela disse sobre uma curiosa experiência que teve quando ouviu pela primeira vez uma ópera japonesa. Segundo o relato o registro foi marcado por um forte estranhamento inicial, vencido lentamente até o ponto em que ela pôde apreciar a obra, então assimilada. Corporificada?!

Essa memória veio porque ontem a turma se reuniu para assistir ao concerto de Iannis Xenakis, um músico e compositor grego, com o qual pretendemos trabalhar em uma performance da qual falarei em outro post. Como vim de uma família em que só se toca berrante e campainha, não tenho conhecimento musical para qualquer tipo de análise, nem pretendo fazê-las, só falo aqui das minhas sensações. E sim, a primeira foi de estranhamento de sentidos.

Automaticamente iniciei uma busca pela ordem, referências, ritmo, algo conhecido. E não demorou nada para perceber que isso eu não encontraria. A música de Xenakis parece propor o deslocamento, o caos, embora esse último seja matematicamente organizado, estruturado. Uma ideia inédita  e complexa de caos para mim. A imagem era da ordem, mas o som e a sensação que me despertava quando eu, de olhos fechados, tentava "entender" a música era a de que estava sendo jogada, por vezes violentamente, de um canto ao outro do belo amphitheatre da Operá Bastille. Isso me levou a um momento em que foi  forte a sensação de estar despencando em um abismo sem fim e precisei abrir os olhos, com certa angústia, como se acordasse de um sonho ruim. Em outros instantes a própria obra propunha pausas bruscas e repentinas, um silêncio duro de se ouvir, pois rompia um estar/estado também vigoroso. Pode parecer que tenha sido uma experiência ruim, mas foi simplesmente intensa e nova. Realmente nova. Coisa rara.

Curioso: Quando procurava imagens para ilustrar o post percebi que a "disformidade" é marca também corporal do músico.