samedi 11 juin 2011

285ème jour: Luna Park

É certo, fazemos um retorno à infância quando nos deparamos com "brinquedos tecnológicos" que nos fascinam pela capacidade de transformação do que chamamos de real. Em Luna Park, obra que abre o Festival Agora, o diretor Georges Aperghis faz alusão a um parque de diversões ao justificar o nome escolhido, mais precisamente, ele se refere a um trem fantasma quando explica a "máquina infernal que fabrica sons e imagens" criada pela equipe do IRCAM para o espetáculo. Uma máquina que traz para a cena angústias adultas do tempo da velocidade, virtualidade e surveillance

No palco quatro "caixas mágicas" abrigavam dois flautistas, uma bailarina e um ator, que por lá permanecem entre câmeras, telas, monitores e mais parafernálias inomináveis que os permitem interagir. Curioso perceber que devido à maneira como as telas para projeção são dispostas em cada caixa, raramente se vê o corpo (físico!) inteiro dos artistas, mantém-se um jogo entre o real e o virtual, uma mistura entre os quatro corpos e partes deles, uns nos outros. Um verdadeiro milagre da multiplicação das imagens que constrói um panóptico como cenário. Confesso, que como espectadora, em um determinado momento, tive a sensação de estar sendo vigiada e comecei a buscar câmeras que poderiam estar direcionadas ao público, imaginando que cedo ou tarde entraríamos em cena como mais uma superposição de imagem na grande tela ao fundo do palco que, no entanto, estampou, entres outros temas não menos aflitivos, um edifício gigantesco com centenas de pequenos apartamentos empoleirados.

Todavia, na proposta do diretor não só os olhos são contemplados, mas também os ouvidos, pois são esses os sentidos privilegiados em nossa cibercultura, ao menos até então. Isso é o que faz George Aperghis lançar a seguinte pergunta ao questionar o lugar do corpo diante do maquinário tecnológico: “Est-ce qu´il ne devient pas uniquement oeil et oreille?” As bem cuidadas polifonias musicais escutadas em Luna Park são construídas a partir de fragmentos de frases, palavras, fonemas e números, enquanto sopros e respirações são prolongadas pelos instrumentos incomuns (flûte basse et octobasse) manejados pelas duas formas verticais do retábulo da cena, que assumem um papel quase fantasmagórico. São eles dois flautistas que pouco se movimentam, a não ser pela constante reprodução de suas imagens ou elementos delas, deslocados entre as partes da figura cênica. A partir desses artifícios o autor utiliza o som para exprimir os pensamentos dos personagens e para dar falsas pistas ao público, já que ele promove relações entre sons e imagens, em seguida as desconstrói e, então, estabelece novas associações que por sua vez também serão desarticuladas, impedindo com tal dinâmica, o estabelecimento de um padrão lógico e aprazível.

Nos meandros da figura estão a bailarina e o ator para os quais os gestos em sua relação com o som foram o tema de reflexão e trabalho segundo duas propostas inversas. Ele exibe captadores de movimentos instalados nas mãos e a partir do material sonoro, que lhe nutri eletronicamente, é capaz de manipular ritmos e sequências de som com seus próprios gestos. Ela estabeleceu uma gama de gestos que representassem uma série de sons sintetizados, entre palavras, fonemas, flautas e frases inteligíveis; em seguida as frases foram desconstruídas provocando também a desarticulação dos movimentos do corpo, e ainda sua reconstituição, por modos de aleatoriedade. De tal maneira, podemos imaginar dois caminhos tradutórios: o dele, que toma a direção do gesto ao som e o dela, que segue do som para o gesto. 

Toda a complexa, envolvente e por vezes confusa mixagem presente no espetáculo tem por fim a velha história do corpo máquina como pano de fundo e essa pode mesmo começar a ser contada por um parque de diversões onde carrinhos nos levam para uma zona de medo, remontar à pré-história onde as primeiras ferramentas representaram coragem em direção a sobrevivência da nossa raça ou ainda, ao angustiante caos tecnológico em que nos metemos e que já não nos deixa identificar onde termina o corpo e começa a máquina.  

Aucun commentaire:

Enregistrer un commentaire